CONVENÇÃO DOS NEURÓTICOS
Movimentos
PRIMEIRO MOVIMENTO
A Criação
SEGUNDO MOVIMENTO
As Relações com o Sexo Oposto
TERCEIRO MOVIMENTO:
As Relações com a Sociedade
QUARTO MOVIMENTO:
As Diversões
QUINTO
MOVIMENTO:
Ideias, Atitudes e Contradições
Primeiro Movimento
A CRIAÇÃO
Ator:Nós somos os filhos primogênitos,
irmãos mais velhos, ou filhos únicos de famílias em que o processo de
procriação não teve continuidade.
Ator:
Somos aqueles filhos criados em estufas.
Durante a infância, guardados carinhosamente do contato com a terra, com a rua,
com o ar puro, com outras crianças. Fomos criados com leite, desinfetantes e
agasalhos. Com dois banhos por dia e com babás graves e severas.
Ator:
Nascemos de pais ocupados com o trabalho. Demasiadamente ocupados. De pais que
não conheceram o riso, a alegria, ou que nunca aprenderam a brincar. Desde
pequenos comemos em mesas cerimoniosas. Nossos companheiros e conversas sempre
foram adultos.
Ator:
Fomos cuidadosamente resguardados dos perigos. A responsabilidade nos foi
sempre imposta como sagrada. Aprendemos a temer a aventura e a nos movermos
timidamente presos ao chão. A vida infantil, a puerilidade e as travessuras
foram de nós eliminadas à força de grossas correias de couro.
Ator:
Somos aquelas crianças que sempre temeram o que havia além da porta da rua, e
que da vidraça da janela sonharam em visitar o horizonte.
Ator:
As histórias de fadas das
amas-de-criação exaltaram nossa faculdade de sonhar; e suas histórias do
sobrenatural fantástico sedimentaram-se em nosso subconsciente em formação,
provocando terríveis pesadelos e noites de ansiosa insônia.
Ator:
Quando crescemos um pouco, fomos levados pelos pais ao cinema para assistirmos
a filmes de violência. Conhecemos o poder da arma que mata; e em nossa
adolescência, ganhamos de nosso pai uma espingarda para matar pombos.
Ator:
Um dia, fomos para a escola, e na escola
fomos obrigados a tirar sempre o primeiro lugar. Fomos sempre primeiros da
classe: gênios fabricados - e odiados pelos colegas. Nós fomos os eficientes
objetos de orgulho dos pais, motivo de vanglória perante seus amigos.
Ator:
Era tão grande o nosso medo de perder o primeiro lugar, que nem imaginávamos o
que nos aconteceria se tal coisa acontecesse.
Ator:
Nosso falso senso de responsabilidade foi edificado no pavor de fracassar.
Víamos nas menores coisas a conquistar, uma dogmática obrigação; e ao menor
fracasso sobrevinha uma irremediável sensação de culpa, autodesprezo... Frustração.
Ator:
Passamos toda a nossa idade escolar preocupados em receber um abraço dos pais,
ao lhes apresentar os boletins crivados de notas 10.
Ator:
Hoje, temos necessidade de nos apegar a uma figura paternalista a quem fazemos
o possível e o impossível para agradar, para dela extrair elogios, arrancar
parabéns; seja ela nosso professor, nosso chefe, nosso patrão; sejam as pessoas
do meio em que vivemos.
Ator:
Temos necessidade crônica de sermos os primeiros em tudo - E... Angústia por
sermos tímidos demais para consegui-lo. Precisamos eternamente de empurrões.
Fomos ensinados a competir e a odiar perder uma empreitada.
Ator:
Em qualquer trabalho ou empreendimento seremos inconstantes e medíocres se não
houver alguém que nos empurre para a frente.
Ator:
Bem dirigidos e inspecionados faremos bem qualquer coisa. Sozinhos, nada
seremos. Somos massas de modelar que, nas mãos de um chefe, tornar-se-ão anjos
ou demônios.
Ator:
Para nós foram inventados a fiscalização e os fiscais. Para produzirmos,
precisamos ser constantemente vigiados, orientados. Somos os da barra-da-saia.
Ator:
Fomos criados para obedecer e
agradar.
Ator:
Nunca aprendemos a ter confiança em nós mesmos, porque não a tivemos de nossos
pais que nos policiavam nas mínimas coisas.
Ator:
Eu sei que meus pais são meus amigos, as pessoas que mais me amam no mundo.
Mas, não consigo apagar da minha cabeça a sua imagem de juízes.
Ator:
E hoje, mulheres e homens imaturos que somos; enfermos mentais que nos
tornamos; estamos totalmente desqualificados para a vida.