O CIRCO DE TODOS OS SONHOS

Existiu um circo que extorquiu toda a beleza do universo e fez a virilidade dos homens e dos deuses escoar-se em cópulas infinitas.

Existiu um circo que servia aos convidados finíssimos doces afrodisíacos, enquanto se ouvia a música sensual da banda feminina e nua.

Existiu um circo que fazia com que qualquer mortal que porventura ocupasse um lugar, quer nas poltronas quer nas arquibancadas, esquecesse seu nome, profissão, passado e ambições. Não por efeito de qualquer sortilégio, mas porque ali sobrevinha a lucidez. Da lucidez, a coragem. Da coragem, a decisão de mandar tudo à merda, porque ali ficava bem clara a imbecilidade total que tudo o mais representa.

Existiu um circo onde havia muitas mulheres. E algumas delas eram as mais bonitas de todas. Eram mais bonitas que tudo. Eram de uma beleza que doía tanto que poderiam torturar os homens com um simples aceno de dedo. E seus pés eram os mais bonitos, assim como suas nádegas e seios, suas mãos e seus cabelos. Seus corpos, em dia de calor quando elas se despiam dos corpetes e das sedas e passeavam nuas pelos picadeiros ou camarins, queimavam como a estrela mais radioativa e portanto cegavam. Seus olhos de inacessível orgulho ardiam como pimenta. Suas palavras de "não" corroíam como ácido. E não havia quem resistisse e não ficasse eternamente escravo de qualquer uma delas assim que a visse. Mas, escravo de verdade, gato e sapato, moleque de recados, cachorrinho a calçar suas sandálias e a engraxar suas botas, a vestir suas longas meias e a lamber seus pés. Assim, eu vi submissos e muitos (que como eu não mentem) garantem que também viram, cirurgiões famosos, catedráticos, senadores, arcebispos, dois professores de física quântica, um arquiteto e dezenas de músicos, atores, estudantes e poetas. Todos eles escravos e felizes, porque cada uma delas era a síntese das Sete Maravilhas do Mundo, e o homem que tivesse a sorte de passar a noite com qualquer uma, qualquer que fosse, poderia considerar-se bem amado dos deuses e nunca voltaria a ser o mesmo.

Existiu um circo que foi chamado uma vez, com muita propriedade, "O Circo de Todas as Deusas". Contam os que o conheceram, que seu picadeiro era venerado como um santuário pagão, e que nunca houve a menor tentativa que fosse de profaná-lo ou invadi-lo, de entrar por debaixo do pano.

Existiu um circo que faz com que muitas pessoas como eu derramem lágrimas todas as vezes em que se fala dele, como agora, por exemplo. É que este circo existiu e eu aposto e eu juro que sim, porque estou sentindo ele agora inteiro dentro das entranhas. E mais do que isso: este circo ainda existe. A bordo de uma astronave ou num planeta do universo, ele existe com sua música sensual, com suas perigosas deusas, com seus aposentos de espuma, com seus travesseiros de pluma, seus tapetes e petiscos, seus perfumes, seus altares, sua volúpia e seu sexo indiscriminadamente mágico.

Existiu um circo porque eu e muitos outros estamos agora chorando por ele, urrando por ele, porque não aguentamos mais a taça de ignominia que somos obrigados a sorver diariamente brindando a covardia dos sacerdotes e o cinismo dos imperadores.

E antes que cada um de nós se suicide, antes que nos atiremos do cume da histeria e do desespero, que pouse a nave mãe, o Circo Espacial, e desçam em legiões estas poderosas deusas, emanem sua voluptuosa essência até que o planeta se inebrie desse liquido etéreo, elixir de inigualável pureza, irradiação de amor indizível, e todos assistam a uma função - basta que seja uma - do Circo de Todos os Sonhos.

© 2022 Marcos Resende
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